O establishment político da Grã-Bretanha considera a democracia como a legitimação das decisões já tomadas.

Por Theodore Dalrymple – 26 de setembro de 2019 OLHO NAS NOTÍCIAS – Política e direito

Nesta semana, a Suprema Corte da Grã-Bretanha, em uma decisão unânime, derrubou a suspensão do Parlamento do primeiro-ministro Boris Johnson. De longe, o comentário mais revelador sobre a derrota de Johnson foi o de Guy Verhofstadt, um importante membro belga do Parlamento Europeu, que disse que esperava nunca mais ouvir de nenhum proponente do Brexit que a União Europeia era antidemocrática. Mas é difícil dizer o que é mais notável, a lógica de Verhofstadt ou sua concepção de democracia.

Mesmo que fosse verdade, sem sombra de dúvida, que a prorrogação do recesso do Parlamento por Johnson era ilegal e até antidemocrática, não se seguiria que a UE era democrática e, portanto, justamente imune a qualquer crítica de que é antidemocrática. Se um país é uma ditadura, isso não impede que outro seja uma também.

Mas é sobre a visão um tanto estranha de Verhofstadt do que a democracia significa que os próprios europeus devem se preocupar. A Grã-Bretanha normalmente não é governada pela democracia direta, o que seria quase impossível – mas o próprio Parlamento, por uma imensa maioria de 80%, solicitou voluntariamente um referendo sobre a questão da adesão britânica à UE, entendendo que o governo obedeceria ao resultado. Não seria exagero dizer que, desde então, o mesmo Parlamento que convocou o referendo fez todo o possível para se opor, obstruir, atrasar, diluir ou anular diretamente a implementação do resultado, o que era inesperado. A líder de um grande partido político, os Liberais Democratas, disse que, se um segundo referendo acontecesse, ela só aceitaria o resultado se fosse na direção que ela defende – a de permanecer na UE. Guerra é paz, liberdade é escravidão e democracia liberal é o governo do líder sem oposição.

Com efeito, Verhofstadt ficou do lado dos que se esforçaram bastante e principalmente para derrubar o resultado de uma votação que ninguém pode negar que era democrática enquanto, ao mesmo tempo, tentava se cobrir no manto da democracia. Em outras palavras, a verdadeira democracia é a regra do pensamento correto, e o objetivo de um referendo em qualquer lugar da Europa é – como era sob Napoleão III – fornecer legitimidade para uma decisão já tomada. Em comparação com aqueles que tentaram, e ainda estão tentando, obstruir o Brexit na Grã-Bretanha, o general Augusto Pinochet – o falecido ditador chileno – era um democrata. Quando ele perdeu um plebiscito, ele se afastou. Verhofstadt prefere como democratas aqueles que, assim como os parlamentares britânicos no meio de um impasse político, se recusam a realizar eleições no caso de o eleitor errar novamente na resposta.

 

Theodore Dalrymple é editor-colaborador do City JournalDietrich Weismann Bolsista no Manhattan Institute, e o autor de muitos livros, incluindo Out into the Beautiful World e o recém publicado Grief and Other StoriesEle é um psiquiatra aposentado que, mais recentemente, trabalhou em um hospital e em uma prisão britânicos no centro de Londres. 

Foto de Chris J. Ratcliffe/Getty Images

Copyright (c) 2019 City Journal & Theodore Dalrymple; traduzido para o português por Marcos Pena Jr sob permissão do City Journal. Todos os direitos reservados. Este produto é protegido por direitos autorais e distribuído sob licenças que restringem a cópia, a distribuição e a descompilação.

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