Expansão da demanda e dos preços internacionais das commodities agrícolas*

Introdução

Ao analisar a evolução do mercado internacional de forma ampla, nota-se um boom no consumo e no preço das commodities no período entre 2003 e 2011 (com uma retração entre 2008 e 2009), impulsionados especialmente pelo aumento da demanda da China. Tais produtos são “ativos” que podem gerar riqueza nos países produtores, mas também podem levar esses países a terem perdas no longo prazo (segundo análises que fortalecem os argumentos acerca da “reprimarização”1 dos países produtores de commodities). Ainda, com o aumento da população e da renda nos países em desenvolvimento, especialmente os do leste asiático, acredita-se que a produção e o fornecimento de commodities (minerais, metais e agrícolas) para o mundo se tornam crescentemente uma fonte de “poder geopolítico”.

O Brasil é um grande produtor dessas mercadorias, geradas em grande escala, que possuem um significativo valor estratégico para a economia do País. Destacam-se: minério de ferro, em que o País é o terceiro maior produtor e o segundo maior exportador mundial; carne bovina, segundo produtor e primeiro exportador; carne de frango, segundo produtor e primeiro exportador; carne suína, terceiro produtor e terceiro exportador; soja em grão, segundo produtor e primeiro exportador; celulose, segundo produtor e terceiro exportador; etanol, segundo produtor e segundo exportador; e açúcar, primeiro produtor e primeiro exportador. Tratando-se, em especial, dos agrícolas, é nitidamente perceptível que o “boom” dos seus preços, aliados ao dinamismo empreendedor dos produtores brasileiros e aos conhecimentos e tecnologias em agricultura tropical criados no País, tornou esse setor motor fundamental da economia nacional.

No presente capítulo, a argumentação foi construída com a seguinte estrutura: uma primeira parte em que os pontos levantados são decorrentes de revisão de literatura, sendo construído um corpo de argumentação com base em pesquisas realizadas sobre as temáticas de interesse; e uma segunda parte em que se coloca como argumento, derivada do conjunto de argumentos da primeira parte, a necessidade de exercício de maior presença em discussões internacionais e negociações geopolíticas em razão do poder do País como um dos principais produtores e fornecedores de produtos agrícolas do mundo.

No primeiro bloco (revisão de literatura), os argumentos apresentados são: a) o forte aumento da demanda global por commodities acarretou acelerada expansão nos seus preços; b) a China teve destacado papel de catalisador desse processo; c) seja por efeitos diretos (expressivo aumento do comércio bilateral), seja por efeitos indiretos (relevante influência na rápida expansão dos preços internacionais das commodities), a China impactou fortemente, de maneira positiva, a economia brasileira; d) os fatos citados nos três itens anteriores (embora existam “regiões ganhadoras” e “regiões perdedoras” nesse processo) acarretaram grandes ganhos de bem-estar para a população brasileira como um todo; e) as recentes disputas comerciais internacionais, mais especificamente aquelas entre as duas maiores potências econômicas atuais, Estados Unidos e China, certamente mexem nesse “balanço”.

No segundo bloco, a hipótese aqui lançada coloca-se que, dentro de todo esse quadro apontado no primeiro bloco, ser fornecedor, especialmente de produtos agrícolas, acaba por se configurar como importante papel geopolítico, possibilitando a um país exportador de commodities (PEC) buscar maior relevância global em debates e decisões acerca de questões políticas, sociais, de segurança nacional e econômicas.

O papel do Brasil nesses debates pode ser de destaque, embora ainda não esteja clara a direção que será estabelecida em termos de políticas comerciais globais. Existe disputa pela liderança política global, a qual inclui a produção e o comércio internacional de alimentos. Exatamente nesse aspecto, as ações brasileiras poderão permitir ao País ter papel de maior relevância na geopolítica global.

(…)

Considerações finais

Dentro dos superciclos, as commodities experimentam fases de “boom” de preços. Essas fases de “boom” ocorrem em momentos de forte e rápida expansão de demanda por produtos primários. Análises indicam que o grande impulsionador desse processo nas duas últimas décadas foi a China.

Nesses momentos de “boom”, os PEC experimentam destacados ganhos macroeconômicos. O Brasil passou nos últimos 15 anos uma fase de “bonança advinda do exterior”, o que fica bastante claro ao se analisar seus termos de troca e o impacto da melhoria desses sobre a economia do País. Contudo, o País aproveitou muito mal essa “bonança”, não conseguindo avanços econômicos similares aos dos seus pares.

Esses ganhos para o País são majoritariamente derivados de dois tipos de efeitos consequentes da expansão da demanda chinesa: a) efeitos diretos: aqueles decorrentes da expansão do comércio bilateral; b) efeitos indiretos: aqueles advindos do forte aumento dos preços das commodities no mercado internacional.

Em razão, dentre outros fatores, da composição demográfica, distribuição espacial e estrutura socioeconômica, as perspectivas são de manutenção do crescimento econômico e, por consequência, da demanda por commodities dos países em desenvolvimento, especialmente os asiáticos. O Brasil já é importante fornecedor de alimentos, fibras e energia para essas regiões, e a expectativa é que seja ainda maior.

Embora alguns setores e países sejam beneficiados com a trade war, esse processo tem efeito global negativo, acarretando perda de competitividade e perturbações nos preços. O programa BRI chinês é uma iniciativa de longo prazo e estrutural e tem o potencial de influenciar o curso dos investimentos da infraestrutura, do desenvolvimento tecnológico e, portanto, da produção econômica em todos os setores, inclusive o agropecuário, o qual depende de condições logísticas e é impactado pelos seus altos custos no Brasil.

Sendo assim, é de extrema importância acompanhar os desdobramentos e formular estratégias específicas para cada uma das possibilidades que se apresentam. Existe uma disputa de poder político global que engloba a produção e o comércio internacional de alimentos, o qual é afetado por diversos drivers e por políticas globais. Contexto no qual o Brasil tem o potencial para desempenhar destacado papel geopolítico no que tange à agricultura.

* O trabalho completo referencia-se (e está disponível no link ao final): PENA JÚNIOR, Marcos Antonio Gomes; GRUNDLING, Roberta D. P. ; MARRA, R. ; MATOS, C. H. Q. Expansão da demanda e dos preços internacionais das commodities agrícolas. In: Pedro Abel Vieira; Elisio Contini; Gilmar Paulo Henz; Virgínia Gomes de Caldas Nogueira. (Org.). Geopolítica do alimento: o Brasil como fonte estratégica de alimentos para a humanidade. 1ed.Brasília/DF: Embrapa, 2019, v. 1, p. 257-269. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/205102/1/GEOPOLITICA-ALIMENTO-ed04-2019.pdf.