Suas recompensas sociais são imediatas e gratificantes, seus perigos distantes e abstratos.
Por Robert Henderson – 30 de Setembro de 2019 – A Ordem Social
A ”cultura de cancelamento“ tornou-se uma maneira confiável de obter mobilidade ascendente, estabelecer conexão social e identificar aliados e inimigos, isolando pessoas que violaram regras ideológicas sobre raça ou gênero. A frase em si é sugestiva: podemos cancelar assinaturas da Netflix ou serviços de smartphone; então, por que não cancelar seres humanos por meio da destruição da reputação e do exílio social? “Cancelar” tornou-se um hobby divertido – uma atividade indulgente, alimentadora de dopamina, praticada nas mídias sociais até que seus praticantes cruéis, entediados, no fim das contas, sigam os algoritmos em outros lugares.
Cheguei como estudante de graduação em Yale em agosto de 2015, ano em que Erika Christakis, professora associada de uma das faculdades residenciais de Yale, foi alvo de estudantes manifestantes por escrever um e-mail para seus alunos, pouco antes do Dia das Bruxas, questionando as diretrizes da administração sobre os trajes. Ela incentivou os alunos a falarem uns com os outros quando achassem a roupa de alguém desagradável ou ofensiva. A reação contra Christakis e seu marido Nicholas – um sociólogo de Yale – foi feroz. Os alunos alegaram que Christakis defendia a “apropriação cultural” e que o email dela era um emblema do racismo sistêmico dentro da universidade. Centenas de estudantes marcharam em protestos e exigiram que ela fosse demitida. Eles alegaram que Christakis violou o “espaço seguro” da faculdade residencial e que a presença dela representava uma ameaça à saúde mental deles. Os alunos conseguiram transformá-la em uma pária no campus. Em dado momento, ela se afastou das suas posições. Ela foi cancelada.
Como vimos, com a multidão que cercava Nicholas Christakis em Yale, a “cultura de cancelamento” não é uma atividade solitária. As pessoas gostam de se unir contra um criminoso. Embora a reciprocidade possa aumentar o status do grupo e aproximar os membros, ela também leva à possibilidade de falha. Em vez disso, as pessoas procuram os erros de outras pessoas, porque isso oferece status e coesão social a baixo custo. Mesmo que o grupo não consiga cancelar alguém, a falha apresenta oportunidades adicionais para status e vínculo: O que ou quem está impedindo você de ter seu alvo abatido? O grupo pode se unir em torno dessa questão.
A cultura de cancelamento permite que as pessoas identifiquem quem é leal ao seu movimento. Destacar as supostas irregularidades dos outros obriga as pessoas a responder. Alvos da cultura de cancelamento geralmente cometem atos subitamente considerados fora de moda. Isso é perfeito para a coordenação social, porque gera desacordo sobre se a pessoa deve ser exilada. Se todos concordarem que o alvo deve ser denegrido, não há como distinguir amigo de inimigo. Mas se alguns concordam enquanto outros discordam, os membros comprometidos com o grupo podem ser diferenciados dos adversários. Aqueles que pedem provas da suposta irregularidade, questionam a gravidade da transgressão ou debatem acerca da correção dos riscos da cultura de cancelamento, revelam-se infiéis à causa. Reunir-se em torno de uma transgressão moralmente ambígua e ver como as pessoas reagem permite o recrutamento de concordantes e o alvejamento de dissidentes.
A cultura de cancelamento, portanto, provavelmente veio para ficar. As recompensas sociais são imediatas e gratificantes e os riscos muito distantes e abstratos. “Você pode ser o próximo” não impacta a maioria das pessoas, porque são apenas um conjunto de palavras. Mas as recompensas sociais de status e camaradagem em grupo ressoam instantaneamente. O desejo de recompensas sociais instantâneas em detrimento de desastres distantes e incertos não é uma peculiaridade de nenhum grupo em particular – é comum a todos nós.
O termo “cultura de cancelamento” pode ser novo, então, mas os impulsos humanos que levam a ela são antigos. Quando você vê grupos alvejando um indivíduo para o exílio, está testemunhando um ritual fundamental. Sem entender esses impulsos atávicos, nós estamos mais, não menos, propensos a promulgá-los sem considerá-los adequadamente.
Robert Henderson é estudante de doutorado na Universidade de Cambridge.
Foto: bombuscreative/iStock
Copyright (c) 2019 City Journal & Robert Henderson; traduzido para o português por Marcos Pena Jr sob permissão do City Journal. Todos os direitos reservados. Este produto é protegido por direitos autorais e distribuído sob licenças que restringem a cópia, a distribuição e a descompilação.
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