Sempre nadando contra a maré

 

Descanse em paz, Roger Scruton

Theodore Dalrymple

13 de janeiro de 2020 – OLHO NAS NOTÍCIAS

 

Sir Roger Scruton, o filósofo conservador britânico que foi proeminente por quase meio século, morreu em 12 de janeiro, após uma doença que ele carregava há seis meses. Ele tinha 75 anos.

Ele demonstrou grande coragem moral ao longo de sua carreira, nadando contra a maré intelectual de seu tempo, independentemente da depreciação, dos insultos, das acusações e até do ódio dirigido a ele. Durante muito tempo, seu próprio nome entre grande parte da intelligentsia britânica era sinônimo de atavismo político ou do mal, como se ele tivesse sido um defensor radical da tirania e dos pogroms¹, em vez de um defensor da liberdade e dos valores civilizados. No momento em que chegou ao conhecimento público, grande parte da intelligentsia se recusou a acreditar que um homem altamente talentoso e cheio de conhecimento também pudesse ser um conservador. A própria rejeição de tudo o que era tradicional parecia tão óbvia para eles que eles pensaram que a única explicação possível para alguém que valorizava a tradição era obtusidade, torpeza moral – ou ambas.

O trabalho de Scruton era tão amplo que o termo “Homem da Renascença” parece pouco inapropriado. Ele publicou livros sobre Kant e Spinoza, sobre “Tristão e Isolda” de Wagner, sobre estética da música e da arquitetura, direitos dos animais, vinho, caça, importância da cultura, natureza de Deus, relações do homem com os animais, e sobre muitos outros assuntos. Ele escreveu romances e contos de excelência e duas óperas. As palavras do Dr. Johnson para o epitáfio de Oliver Goldsmith vêm à mente: ele escreveu praticamente em todos os estilos de escrita e encheu de encanto tudo o que tocou.

Isso não quer dizer que muitas pessoas, ou mesmo qualquer pessoa, concordariam com tudo o que ele escreveu, algo dificilmente esperado em vista de sua imensa produção. Ele aceitou a discordãncia com tranquilidade, como consequência e condição natural e louvável da liberdade. Ao contrário de muitos de seus detratores, que lhe afixavam rótulos e depois acreditavam na veracidade deles, ele era justo com aqueles com quem discordava e cujas idéias acreditava ter tido um efeito desastroso na sociedade ocidental. Nas duas edições de seu livro sobre pensadores da Nova Esquerda, por exemplo, ele os elogiou generosamente pelo que considerasse digno de elogio neles. Ele prestou a eles a honra de ter lido seus trabalhos com atenção, tentando decifrar dedicadamente o que significavam (algo de maneira alguma fácil, dado seu recurso frequente à verborragia multissilábica de alto som) e refutando o que era suficientemente inteligível para ser refutável.

Ao contrário do que seus detratores supunham, sua reação aos escritores que criticou estava longe de ser resultado de preconceito cego, ideologia ou idéias preconcebidas. Sartre, por exemplo, foi – pelos seus primeiros trabalhos – o herói de Scruton. Sartre tinha então a capacidade de combinar perfeitamente observação e experiência de vida com sutil pensamento metafísico, muito contrário ao tipo de treinamento filosófico que Scruton recebeu em Cambridge, onde a aplicação da filosofia à vida como ela é vivida era considerada quase vulgar, mas que tinha a vantagem compensadora de precisão e rigor. Foi apenas o Sartre mais maduro, um apologista de tirania e de assassinato em massa, que Scruton repreendeu. Em outras palavras, ele fez as distinções necessárias.

Scruton era muito a favor do Brexit, mas estava longe de ser um isolacionista mesquinho. Ele considerava a França, e Paris em particular, como seu segundo, e talvez espiritual, lar. Sua experiência com os eventos ocorridos em 1968, no entanto, foi formativa, e a memória desses eventos permaneceu um aviso para ele pelo resto de seus dias. Ao contrário da maioria dos jovens intelectuais, ele ficou horrorizado, não animado, com os eventos de maio de 1968. Ele os viu como a destruição intencional de uma bela civilização pelos beneficiários mimados dessa mesma civilização e como uma rejeição do refinamento em favor da crueza. Ele ficou do lado dos preservadores, e não dos destruidores. A fragilidade de nossa herança cultural era clara para ele.

Ele foi reverenciado em vários países da Europa Oriental, onde, com outros, e com algum risco para si mesmo, ajudou a manter viva as esperanças de intelectuais dissidentes. Ele dirigiu seminários filosóficos clandestinos em vários países. Era uma questão de decepção para ele que os jovens britânicos estivessem tão afastados de qualquer conhecimento histórico e tão carentes de imaginação que não tivessem idéia de como seria a vida em um sistema totalitário. Isso é importante porque todo julgamento, incluindo a situação ou dilema atual de alguém, é comparativo e, sem a consciência de quão terríveis as coisas podem ser, pode-se facilmente e frivolamente iniciar o juvenil caminho² para a perdição.

Em seu último e comovente artigo no The Spectator, na verdade no último parágrafo que publicou em sua vida, ele enfatizou a importância da gratidão pelo que se teve a sorte de herdar. Não tome nada como garantido, preserve o que vale a pena preservar, entenda a fragilidade das coisas, lembre-se das dívidas com o passado assim como com o futuro, deleite-se com o mundo. Essa foi a mensagem duradoura desse homem excepcionalmente talentoso.

Para mim, ele sempre foi gentil e encorajador. Muito mais importante, ele era um pai excepcionalmente bom para seus filhos.

 

¹ Massacres organizados de um grupo étnico específico, em particular o de judeus ocorridos tanto na Europa Oriental quanto na Rússia.
² No original, Dalrymple escreve “primrose path”. Muito embora possa-se naturalmente traduzir essa passagem por “caminho juvenil”, no sentido de uma decisão imatura, parece-me que o autor tenta deixar um gancho com o filme americano homônimo de “Gregory La Cava” da década de 1940, o qual apresentava a prostituição nos EUA de forma bastante realista e crua.

 

Foto: Ian Gavan/Getty Images (extraída diretamente do texto original no site do City Journal)

Copyright (c) 2019 City Journal & Theodore Dalrymple; traduzido para o português por Marcos Pena Jr sob permissão do City Journal. Todos os direitos reservados. Este produto é protegido por direitos autorais e distribuído sob licenças que restringem a cópia, a distribuição e a descompilação.

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